“A FRONTE PRAECIPITIUM, A TERGO LUPI” (provérbio latino: “Pela frente um precipício, por trás os lobos”). É preciso repor, urgentemente, a verdade histórica, para arejamento e harmonia mental entre os povos e micro-nações autóctones angolanos, desejosos da construção de um projecto-país, saído das entranhas, gemeres e sentires da geografia consensual.
Angola enquanto ente jurídico nacional: país e internacional, concerto das nações: UA e ONU, nasceu, em 11 de Novembro de 1975, não como República, mas como “possessão partidocrata” do MPLA, baseada num egocentrismo ideológico espúrio, filosofia dos capitães de Abril, que inspiraram uma espécie de extensão da ex-província ultramarina de Portugal.
Portanto, para desgraça colectiva dos cidadãos, Angola nasceu como se fosse uma grande base guerrilheira; o maior CIR (Centro de Instrução Revolucionária); a gigantesca unidade geográfica do MPLA, que tendo recebido o poder de bandeja, numa trama bem urdida, pelos negociadores de Alvor, como esclarece Almeida Santos, influente dirigente do Partido Socialista português, redactor e negociador, ao afirmar 30 anos depois: “Fomos ultrapassados pelos acontecimentos e aquele acordo de Alvor é um acordo que não valeu nada. Este acordo tanto pode vir a ser um bom acordo para salvar Angola como pode vir a ser apenas um pedaço de papel”, asseverou o homem que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenação Interterritorial e integrava a delegação portuguesa que assinou com Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi o acordo de Alvor, no Algarve, do qual nunca teve dúvidas, assumindo que ao ver o documento, que também tinha as suas impressões digitais, não hesitou em afirmar: “aquilo não resultaria”.
Tanto assim é que a estratégia de rasgar os Acordos de Alvor, incluiu, por parte das tropas comunistas portuguesas, lideradas por Melo Antunes, a entrega dos quartéis e arsenal bélico ao MPLA, que passou a deter supremacia militar em relação aos demais movimentos: FNLA e UNITA, também subscritores dos Acordos, expulsos de Luanda, em 1975, inviabilizando a realização de eleições democráticas em 1975 e a elaboração de uma Constituição originária, saída de um Poder Constituinte, que elegeria uma Assembleia Constituinte representativa, aglutinadora dos sonhos das culturas, tradições, etnias, raças e povos autóctones.
Traída a expectativa geral de lançar os caboucos de um novo país, o MPLA fez emergir uma Constituição partidocrata, assinada exclusivamente, pelo Comité Central e, presidente do MPLA, aos 10 de Novembro de 1975 (poderia ter aproveitado as contribuições dos militantes clandestinos, nas cidades, muitos com experiência de gestão da máquina administrativa do Estado, mas excluídos, pois o MPLA lida mal, com bolsas de inteligência superior aos da sua direcção).
Assim, proclamando a República Popular de Angola, converte, esse partido em primeiro órgão de soberania, contrariando a tese de Charles-Louis de Secondant, vulgo Barão de Montesquieu, defensor em estados republicanos da existência de três órgãos de soberania, independentes: legislativo; executivo; judicial.
No caso da República Popular de Angola de Agostinho Neto & C.ª, os angolanos não se confrontaram, “ab initium” (de início) com um Estado/República, mas um MPLA/Estado (Partido/Estado) que não ouviu nenhum dos povos e micro-nações, para viabilização de um Poder Constituinte originário e daí maturar-se a eleição de uma Assembleia Constituinte, que seria um importante laboratório capaz de convergir no texto constitucional as vontades e sonhos de todos autóctones.
E da heresia político-jurídico a boçalidade constitucional, emerge o cabouco da perversão do Partido/Estado, com o MPLA a ser o mais importante dos três órgãos (chamados) de soberania, de tal monta que o Presidente da República tinha de ser o presidente do MPLA e, concomitantemente, este, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas. O cenário mudou? Não! Pelo contrário, pese a introdução do multipartidarismo em 1991, sub-repticiamente, tudo continua na mesma, com a oposição a ser colocada em banho-maria, resignadamente, ante a guilhotina constitucional, feita, também, exclusivamente, pelos juristas do MPLA, cozinheiros do desvario jurídico, que subverte a natureza fundante de qualquer Estado de Direito e Democrático.
Se na Constituição partidária do MPLA (1975-2010) era explícita a norma, na actual, não deixa de ser evidente e preocupante, o silêncio de políticos, intelectuais e juristas, ante a letalidade do art.º 122.º (Competência como Comandante-em-Chefe) “Compete ao Presidente da República, como Comandante-em-Chefe das Forças Armadas:
a) exercer as funções de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas”, conjugado com o art.º 207.º (Forças Armadas Angolanas) 1. As Forças Armadas Angolanas são a instituição militar nacional permanente, regular e apartidária, incumbida da defesa militar do País, organizadas na base da hierarquia, da disciplina e da obediência aos órgãos de soberania competentes, sob a autoridade suprema do Presidente da República e Comandante-em-Chefe, nos termos da Constituição e da lei, bem como das convenções internacionais de que Angola seja parte”.
Aqui chegados, se as Forças Armadas são apartidárias, como pode o seu Comandante-em-Chefe ser líder de um partido político? Existem dois imperativos, para vencer este “nó górdio”: o Presidente da República deixa a liderança do MPLA ou o presidente do MPLA deixa de ser Presidente da República, para poder e continuar a ser Comandante-em-Chefe, em respeito à Constituição e aos cidadãos eleitores, que não devem ser considerados matumbos.
Para os mais atentos, esta micro revisão visava atender a uma das exigências do Fundo Monetário Internacional: independência do Banco Nacional de Angola, de tal monta, ser o objecto inicial da fundamentação e, para não parecer uma “FMIDEPENDÊNCIA”, e complexado e humilhante, cumprimento, introduziram outros articulados, mas marginais, cuja substância não são benevolentes para a democracia.
Basta ver a pretensão de retirar da CRA (Constituição) o art.º 242.º (Gradualismo), para o colocar em lei ordinária e vingar a lógica do MPLA (maioria parlamentar, aprova) de não realização simultânea, em todos municípios, das eleições autárquicas. Mas a própria Constituição resolve as insuficiências, como falta de condições, através do art.º 218.º (Categorias de Autarquias Locais), viabilizando, no n.º 2, autarquias de nível supra-municipal (juntar um município com condições e outro sem) e o n.º 3 permite infra-municipais, logo se os deputados deixarem passar esta proposta levarão de cebolada…
Outra polémica é a de introduzir a individualização normativa do Confisco, para viabilizar que a vontade do poder político ordene a venda de património, de arguidos, ainda em fase de instrução preparatória, de julgamento, entre outros, por exemplo esta aprovação pode levar à venda do Candando, Kero, CIF, TV Palanca, antes mesmo de condenação e trânsito em julgado.
Mas, o objectivo final desta sarrabulhada constitucional é a extensão do mandato de João Lourenço, prévia e sub-repticiamente, já ensaiada, nas redes sociais, por um dos mais devotos “deputado new bajulador”, é o aumento do mandato presidencial de 5 para 7 anos, cada ou a extensão de três mandatos seguidos de 5 anos cada, em sede parlamentar, onde o MPLA, através da maioria e dependência mental dos seus deputados, vai, seguramente, aprovar de cruz, sob pena de sanções e verem movidas acções de retaliação.